Avançar para o conteúdo principal

Cem Anos de Solidão

     Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía haveria de recordar aquela tarde remota em que o pai o levou a conhecer o gelo” – é com estas palavras tão célebres e marcantes que Gabriel García Marquez introduz Cem Anos de Solidão.
    Esta obra-prima de literatura contemporânea traduzida em mais de 35 idiomas diferentes tem um título que, por si só, resume o seu conteúdo, pois a história passa-se em Macondo, aldeia fictícia criada por José Arcadio e Úrsula, situada no meio de uma floresta algures na América Latina onde reina a solidão e a forma estranha das personagens se amarem.
     Ao longo de 392 páginas, o autor colombiano não só nos presenteia com a aventura da família Buendía-Iguarán ao longo das 6 gerações, desde que começou até à sua extinção; como também nos obriga a uma reflexão sobre um vasto número de temas, por exemplo, revoluções, fantasmas, incesto, corrupção e loucura, demonstrando, assim, a imaginação fértil tão peculiar ao Nobel colombiano. 
   O romance tem um elevado número de personagens e algumas destas ainda têm nomes repetidos de gerações anteriores, fazendo com que eu me fosse perdendo pelas diversas famílias e contribuindo para a dificuldade de criar uma ligação emocional com qualquer uma das personagens, uma prática que tenho sempre que leio. Para além disso,excede-se em descrições e informação que não permitem a pormenorização de situações narradas. Estes motivos conduziram à minha desilusão, contrariando a leitura recomendada por muitas pessoas, de tal forma que me vi a pousar o livro na estante e a refletir sobre as causas de uma narrativa como esta, que ganhou o Nobel da Literatura em 1982, me parecer tão confusa e aborrecida.
    Passado aproximadamente um mês, tentei continuar a minha leitura até que me apercebi de que não estava a interpretar o conteúdo de forma correta. De facto, as personagens presenteadas com o mesmo nome ao longo das diversas gerações têm o mesmo comportamento e cometem os mesmos erros, fazendo com que esta família seja cíclica. Ora, foi exatamente isso quefez com que toda a minha opinião sobre o livro mudasse radicalmente. Obriguei-me a recomeçar a sua leitura e em boa-hora o fiz, conseguindo, desta forma, captar toda a mensagem que García Marquez quis transmitir e toda a magia por detrás da sua escrita. O movimento literário chamado Realismo Mágico está bastante evidenciado na obra, isto é, os eventos sobrenaturais são descritos num tom objetivo e pragmático, enquanto eventos normais da vida humana e factos históricos são contados como se fossem parte de uma grande fantasia. A presença deste movimento literário torna a leitura pouco monótona e bastante interessante, levando-nos até a questionar se aquilo que sabemos é realidade ou fantasia e a misturar esses dois mundos.
   Consigo, agora, entender os fundamentos que levam tanta gente a reconhecer este livro especial e o porquê de ser considerado um dos melhores de sempre de escritores sul-americanos. Na verdade, é extremamente bem-escrito e narra uma história original. Pessoalmente, talvez tenha partido para esta leitura com as expectativas demasiado elevadas. Porém, a verdade é que gostei, mas não adorei como pensei que pudesse acontecer. De qualquer maneira, recomendo este livro a quem gosta e mesmo a quem não gosta de romances porque, se for lido de forma correta, torna-se um livro excecional e inesquecível.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Dia Internacional da Biblioteca Escolar/20

  Em cada ano se assinala o Dia Internacional da Biblioteca Escolar. Ultimamente até todo o mês de outubro é o Mês Internacional da Biblioteca Escolar. Foi há mais de 20 anos que a nossa biblioteca começou a assinalar esse dia, o que ainda não era comum em Portugal. Hoje há estudos que demonstram o que faz a ausência, ou mesmo a inexistência, da biblioteca escolar na aprendizagem. A nossa biblioteca vai cuidando cada vez mais dos serviços à distância através da página web : consulta do catálogo, guiões orientadores para diferentes tarefas, contacto por formulário ou direto por email, Recursos Educativos Digitais (em construção), sugestões de endereços eletrónicos... As atividades com alunos mudaram de local, são na sala de cada turma, e foram pontualmente ajustadas ao que as circunstâncias exigem. Mas seguem o seu curso, naturalmente. Mas a biblioteca também é festa. E vêm os passatempos, os clubes: de Guitarra, de Teatro, de Robótica, de Escrita Criativa e Leitura em Voz Alta. Tudo em

5 dias/5 poemas de Rodrigues Lobo - "Antes que o sol se levante"

Dia 3 Sta Maria Madalena, de Josefa de Óbidos, 1650 Museu Nacional Machado de Castro, Coimbra   ÉCLOGA X Antes que o sol se levante Mote Antes que o Sol se levante, vai Vilante ver seu gado, mas não vê Sol levantado quem vê primeiro a Vilante. Voltas É tanta a graça que tem com üa touca mal envolta, manga de camisa solta, faixa pregada ao desdém, que se o Sol a vir diante, quando vai mungir o gado, ficará como enleado ante os olhos de Vilante. Descalça, às vezes, se atreve ir em mangas de camisa; se entre as ervas neve pisa, não se julga qual é neve. Duvida o que está diante, quando a vê mungir o gado, se é tudo leite amassado, se tudo as mãos de Vilante. Se acaso o braço levanta, porque a beatilha encolhe, de qualquer pastor que a olhe leva a alma na garganta. E inda que o Sol se levante a dar graça e luz ao prado, já Vilante lha tem dado, que o Sol tomou de Vilante. Éclogas,  X

5 dias/5 poemas de Rodrigues Lobo - "Mil anos há que busco a minha estrela"

 Dia 1 Mil anos há que busco a minha estrela E os Fados dizem que ma têm guardada; Levantei-me de noite e madrugada, Por mais que madruguei, não pude vê-la. Já não espero haver alcance dela Senão depois da vida rematada, Que deve estar nos céus tão remontada Que só lá poderei gozá-la e tê-la. Pensamentos, desejos, esperança, Não vos canseis em vão, não movais guerra, Façamos entre os mais üa mudança: Para me procurar vida segura Deixemos tudo aquilo que há na terra, Vamos para onde temos a ventura. Fénix Renascida , I