Ode à Liberdade
Quero-te, como quero ao
ar e à luz
Porque não sou a ovelha
do rebanho,
Nem vendi ao pastor a
alma e a grei;
E onde não haja mais do
que o redil,
És tua a minha pátria e a
minha Lei.
Leva-me onde as estradas
me pertençam.
Porque as vozes viris que
me conduzem
Ninguém, melhor do que
eu, sabe dizê-las;
Porque eu não temo as
livres solidões,
Onde habitam os ventos e
as estrelas.
Leva-me ao teu sopro,
éter divino,
Porque me queima a sede
das alturas
E o meu amor se oferece
sem limite;
E és tu que abres as asas
aos condores,
É tu que ergues os astros
ao zénite.
Toma-se nas tuas mãos de
Sagitário,
Faze de mim o arco
retesado
Pelo teu braço e a tua
força inquieta,
Pois, quando o meu desejo
atinge o alvo,
És tu o impulso que
dispara a seta.
É lá, sempre mais longe,
além do Outono,
Nos limites do mundo
conhecido,
Em plena selva e onde há
que abrir a senda,
Que eu quero devorar os
frutos novos
E erguer à beira de água
a minha tenda
Torna-me ágil e ardente,
alma do Fogo,
Porque tu és a inspiradora
inquieta
Dos bailados da morte e
da alegria;
E eu prefiro ao aprisco a
vida heróica,
A que devora o ser, mas
alumia.
Queima-me, embora custes,
quando negas,
Quer o ódio fanático dos
bonzos,
Quer o ciúme vil dos
fariseus.
Sou dos que amam demais a
Divindade
Para poder acreditar num
deus
Não és a flor da beira do
caminho.
Bem sei que é preciso
conquistar-te
A cada novo dia e duro
preço.
Por ti tenho sofrido
quantos os homens
Podem sofrer. Por isso te
mereço.
Por ti sofri os transes
da agonia,
Desde a fome da alma no
deserto
Ao pão que, por amargo,
se recusa.
E, náufrago da grande
tempestade,
Cá vou sobre a Jangada da
Medusa!
Gerou-te, lentamente, com
revolta
E dor, a consciência dos
escravos;
Renasces mais perfeita a
cada idade;
E, sempre, com as dores
cruéis do parto,
Dá-te de novo à luz a
Humanidade.
Querem mãos assassinas
sufocar-te
Nas entranhas maternas.
Mas em vão.
Virás como a torrente
desprendida,
Porque és o sopro e a lei
da Criação
E não há força que
detenha a Vida.
Jaime Cortesão
Médico,
Político, Intelectual e Historiador
1884-1960
Jaime
Zuzarte Cortesão nasceu em Ançã a 29 de abril de 1884. Foi médico, político e
deputado, militar, professor, pedagogo, historiador, etnógrafo, bibliotecário e
documentalista, além de escritor, poeta e dramaturgo. Com uma vida intensa e
multifacetada, distinguiu-se em todas as atividades em que se envolveu. Foi
autor de vários livros, dirigiu a Biblioteca Nacional e esteve na origem da
fundação das revistas Nova Silva, A Águia, Renascença e Seara Nova.
Eleito
deputado pelo Porto para a Legislatura de 1915/1917, defendeu a participação de
Portugal na Primeira Grande Guerra. Apesar de nessa altura não exercer medicina
desde 1912, partiu como voluntário para a frente de batalha na Flandres, na
qualidade de capitão médico miliciano. A sua atuação no teatro de operações
valeu-lhe uma condecoração com a Cruz de Guerra. Depois da sua participação no
movimento revolucionário 3 de fevereiro de 1927 contra a ditadura, foi obrigado
a exilar-se, inicialmente em Espanha, Itália, Inglaterra e França, após o que
se fixou no Brasil. Aí se distinguiu no ensino universitário como especialista
em História dos Descobrimentos Portugueses, cuja obra homónima é uma referência
da historiografia portuguesa, e em Formação Territorial do Brasil.
Em
1952, organizou a Exposição Histórica de São Paulo, para comemorar o quarto
centenário da fundação desta cidade que, cinco anos mais tarde, viria a
atribuir-lhe o título de Cidadão Benemérito. Regressado a Portugal em 1957, envolveu-se
na campanha da candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República e foi
preso um ano depois, acabando por ser libertado na sequência de uma vigorosa
campanha de protesto na imprensa brasileira. Faleceu a 14 de agosto de 1960,
tendo sido agraciado, a título póstumo, com a Grande-Oficial da Ordem da
Liberdade (1980) e com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (1987).
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