Reflexo, Juliana Galício
Depois de meses a viver dentro da mesma tempestade, levanto-me.
Levanto-me mesmo estando ainda agarrada àquele tempo horrível.
Comigo arrasto o tempo, que pesa mais que uma criança mimada
Que implora pelo constante colo da mãe. Até chegar a um lago.
Tento encarar a imagem de um corpo cinzento refletido,
Mas os meus olhos recusam-se a olhar-lhe diretamente.
Recusam-se olhar para toda aquela nudez,
Como a nudez de uma língua sem pronuncia que o torna tão vulnerável.
Acabo por deixar os meus olhos explorarem cada canto de sua pele,
Cada pormenor que o difere do outro.
Cada mancha suja que grita estranheza
E cada lágrima que sussurra fraqueza.
Ainda de pé, sem olhar nos olhos do desconhecido, respiro fundo
E deixo os meus olhos se encontrarem pela primeira vez.
Aquele par de olhos vislumbrava vazio e quietude de um dia nublado de outono,
Onde nem as criancinhas se atreviam a sair de casa para brincar nas poças.
Num corpo que agora me faz duvidar da existência de uma alma ou não,
Dou um passo em frente, apenas para sentir algo.
Como a frieza que uma corrente trás,
Ou como um corte feito pela folha de papel.
Agora com o meu corpo mergulhado em águas escuras,
Onde tempo e espaço são difíceis de se compreender,
Procuro uma luz, que brilha tão forte como a luz no fundo de um túnel,
Que me tire desta tempestade.
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