Avançar para o conteúdo principal

Cruzamentos literários e cinematográficos - 1

 



Claire Keegan (Wicklow – 1968), escritora irlandesa, finalista do Booker Prize de 2022 e vencedora do Prémio Orwell na Categoria de Ficção Política, era até há bem pouco tempo uma escritora praticamente desconhecida dos leitores portugueses.

A primeira vez que vi o livro exposto num escaparate de uma livraria chamou-me a atenção especialmente a capa, pois a pequena povoação pintada de branco, rodeada de montes cheios de neve, proporcionava o regresso ao passado pela imagem da mulher que carrega lenha ou pela carroça puxada a animais. Mesmo a imagem de pessoas que patinam no gelo passa a ideia de que a história contida naquele livro é transmissora de serenidade. Depois da observação da capa, o título Pequenas coisas como estas parece conduzir de novo o leitor para uma história em que as coisas mínimas contam, talvez uma história de temática motivacional a que algumas editoras nos habituaram. Quanto a esta hipótese, só a editora Relógio d’Água não parecia enquadrar-se neste tipo de temática, para quem já se habituou a comprar os livros que lançam todos os anos.

Porém, movida pela curiosidade, iniciei a leitura da sinopse na contracapa e as palavras inscritas eram estas: «Estamos em 1985, numa pequena cidade irlandesa. A autora narra-nos a vida de Bill Furlong, um comerciante de carvão e pai de família. Uma manhã, ainda muito cedo, quando vai entregar uma encomenda no convento local, Bill faz uma descoberta que o leva a confrontar-se com o passado e os complicados silêncios de uma povoação controlada pela Igreja.» Ora esta síntese anunciava um tema que claramente me interessava e a leitura teve o seu início muito em breve, depois de considerar que este era mais um livro que valia a pena.

E valeu a pena! Não posso dizer que tenha sido o livro da minha vida, mas a autora permite-nos descer naquela pequena povoação irlandesa ilustrada na capa (que de serenidade só tinha mesmo a paisagem) e leva-nos a perceber como foram cometidas tantas atrocidades pelas freiras do convento local. Se pensarmos que esta história se passa numa das duas últimas décadas do século XX, a realidade que nos dá a conhecer não está assim tão distante. E percebemos também como é difícil fazer frente a estas instituições religiosas ainda que a personagem central, Bill Furlong, não abdique dos valores que o fazem lutar contra o que a maioria da população se habituou a aceitar.

Em suma, a ambiência escura a nível atmosférico e a nível social, de uma Irlanda cheia de preconceitos, está muito bem retratada.

(Continua)

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Dia Internacional da Biblioteca Escolar/20

  Em cada ano se assinala o Dia Internacional da Biblioteca Escolar. Ultimamente até todo o mês de outubro é o Mês Internacional da Biblioteca Escolar. Foi há mais de 20 anos que a nossa biblioteca começou a assinalar esse dia, o que ainda não era comum em Portugal. Hoje há estudos que demonstram o que faz a ausência, ou mesmo a inexistência, da biblioteca escolar na aprendizagem. A nossa biblioteca vai cuidando cada vez mais dos serviços à distância através da página web : consulta do catálogo, guiões orientadores para diferentes tarefas, contacto por formulário ou direto por email, Recursos Educativos Digitais (em construção), sugestões de endereços eletrónicos... As atividades com alunos mudaram de local, são na sala de cada turma, e foram pontualmente ajustadas ao que as circunstâncias exigem. Mas seguem o seu curso, naturalmente. Mas a biblioteca também é festa. E vêm os passatempos, os clubes: de Guitarra, de Teatro, de Robótica, de Escrita Criativa e Leitura em Voz Alta. Tud...

5 dias/5 poemas de Rodrigues Lobo - "Antes que o sol se levante"

Dia 3 Sta Maria Madalena, de Josefa de Óbidos, 1650 Museu Nacional Machado de Castro, Coimbra   ÉCLOGA X Antes que o sol se levante Mote Antes que o Sol se levante, vai Vilante ver seu gado, mas não vê Sol levantado quem vê primeiro a Vilante. Voltas É tanta a graça que tem com üa touca mal envolta, manga de camisa solta, faixa pregada ao desdém, que se o Sol a vir diante, quando vai mungir o gado, ficará como enleado ante os olhos de Vilante. Descalça, às vezes, se atreve ir em mangas de camisa; se entre as ervas neve pisa, não se julga qual é neve. Duvida o que está diante, quando a vê mungir o gado, se é tudo leite amassado, se tudo as mãos de Vilante. Se acaso o braço levanta, porque a beatilha encolhe, de qualquer pastor que a olhe leva a alma na garganta. E inda que o Sol se levante a dar graça e luz ao prado, já Vilante lha tem dado, que o Sol tomou de Vilante. Éclogas,  X

Pelo Ambiente

É esta a proposta de leitura para as turmas A e E do 10º ano, num trabalho colaborativo da BE com a professora de Física e Química Cristina Gomes. Pelo ambiente, um desafio a agarrar!