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Cruzamentos literários e cinematográficos - 2

 



Muitas vezes, quando anunciam a adaptação ao cinema de obras literárias, os verdadeiros apreciadores de literatura reagem com alguma desconfiança. Normalmente não é fácil passar para a tela tudo o que o escritor nos deu em palavras. Logo que estreou, em janeiro, o filme com o mesmo título da obra de Claire Keegan, Pequenas coisas como estas, a minha curiosidade cinematográfica foi despertada. O facto de o ator principal ser Cillian Murphy, o vencedor de um Óscar em 2023, pelo filme "Oppenheimer", apresentava já um bom augúrio.

E, de novo, posso afirmar que valeu a pena! Para além da excelente interpretação do ator já citado que encarna o papel de Bill Furlong, o realizador Tim Mielants conseguiu captar a ambiência soturna daquela Irlanda que Keegan descreve tão bem no seu livro. Para o fazer, recorreu a uma fotografia extremamente bem conseguida e capaz de passar para imagens as palavras da escritora. Nas imagens do frio gélido do inverno irlandês, conseguimos perceber o sofrimento das personagens. Através de pequenas nesgas, de portas entreabertas, de corredores escuros e de uma ambiência nebulosa, conhecemos uma sociedade fechada e que a igreja católica dominou e tornou ainda mais soturna. Mais difícil seria cruzar o presente com o passado de Bill Furlong, mas as memórias que o assolam surgem nos momentos em que o espetador necessita de entender a atitude dessa personagem.

No fim da película, ainda dominados pelo choque que a história nos provoca, percebemos, tal como no livro de Claire Keegan, como muitas mães solteiras foram vítimas das Lavandarias de Maria Madalena, uma rede de instituições geridas por ordens religiosas, pois eram sujeitas a todas as atrocidades apenas para poder redimir-se dos seus pecados. E levantamo-nos da cadeira da sala de cinema com a esperança de que outros Bill Furlong tenham existido, capazes de enfrentar de forma corajosa o poder instalado.

Cristina Paiva

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