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Poemas & Poetas - "A Lágrima" de Rui Rasquilho


A Lágrima

 

Sobre a areia

A memória do fogo

E a distância

A dilaceração do tempo

Do teu corpo

Os teus lábios

E as ondas

 

Ao longe o cais sem navios

E os teus braços morenos

Perdidos no meu ombro

 

Dançamos agora

Na garganta

O nó

E o gelo

 

No teu rosto-índice

Adeja o limite paralelo da cor

E a lágrima

 

Rui Rasquilho por sua voz -

À terceira hora do terceiro dia do terceiro mês, meio ano antes de terminar a guerra, em 1945, nasci.

Em julho entrei pela primeira vez num mosteiro construído e vivido por cistercienses, Santa Maria de Alcobaça.

Mais tarde percebi que o meu batismo se havia realizado na Sala dos Reis perante inúmeras testemunhas em barro cozido e que, tirando o Papa Alexandre III e S. Bernardo, os outros haviam sido todos reis.

Vivi em Alcobaça até ao início da Escola Primária; depois, veio São Pedro do Sul, Fundão, Castelo Branco e Alcobaça, onde fiz a 4.ª classe e a admissão ao Liceu, em Leiria, no edifício do Convento franciscano da Portela.

Alcobaça, Tomar, Cascais, Caldas da Rainha, Porto de Mós, Lourenço Marques (atual Maputo), o largo périplo antes da universidade em colégios e liceus, até à Guerra Colonial. A universidade em Luanda, a Faculdade de Letras de Lisboa, o bacharelato e a licenciatura, uma breve ameaça de doutoramento, porque nesse tempo não havia mestrados.

A Revolução de Abril, o início da vida profissional, o ensino e sucessivas missões fora dele. A Faculdade de Pedagogia, de vida curta, o Departamento de Estrangeiros da Faculdade de Letras, a Campanha do Património, a XVII Exposição do Conselho da Europa, o primeiro livro sobre o mosteiro de Alcobaça e os seus coutos e um outro sobre os Descobrimentos.

Entrava no final da minha década de 30. Vieram depois vinte anos em Rabat e em Brasília:  Adido Cultural, Conselheiro Cultural, a direção do Instituto Camões no Brasil e a Comissão dos 500 anos da Viagem de Cabral. Muitas comendas de várias nações (Portugal, Brasil e Marrocos) e outras que não são comendas, mas são condecorações.

Andámos sempre os dois – eu e a minha melhor metade, a Né.

E… conferências no Canadá, nos E.U.A., no Brasil, no Japão, em Marrocos, no Chile, na Argentina e, é claro, em Portugal. Mais livros, a poesia na década pessoal de 50, o Mosteiro outra vez, os congressos sobre Cister, e outra vez o Ensino. E, na minha década de 60, a direção do mosteiro de Alcobaça, a recordar haver sido fundador da ADEPA em 1976.

O Interact e o Rotary desde os 18 anos e os Amigos do Mosteiro quase a chegar à minha década dos 70. E continuo, vejam bem, no Museu do Vinho.

Casou há quase meio século o filho que está a caminho dos 45, a neta vais nos 15, soberba idade de contestação.

Também tenho uma diáspora: o filho nasceu em Angola, a neta no Brasil, e vão vivendo aqui e ali. Agora é Timor-Leste e Indonésia. Amanhã, nem eu sei. Mas todos os dias vejo o limite nascente da herdade de Alcobaça, a Serra dos Candeeiros. O Sol, esse, põe-se para o lado do mar.

Rui Rasquilho, poeta, nasceu em Brasília em 1995 e morreu de repente em frente ao mar numa janela da vila de Parede em 2003.

Ninguém o conheceu.

 

Obras em poesia do autor

– Do lado oposto ao tempo (poesia). Brasília: Thesaurus, 1996.

– 25 poemas brasileiros e uma saga lusitana (poesia). Brasília: Thesaurus, 1997.

– O limite do fogo (poesia), com fotos de José Alegria. Lisboa: Presença, 1998.

– Os perfis do silêncio (poesia), com desenhos de Carlos Lança. Brasília: Thesaurus, 2002.

– Poemas escolhidos. Alcobaça: Escafandro, 2015



                                                        
                                                        Self portrait by David Bowie
 

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