Meu pensamento é um rio subterrâneo
Meu
pensamento é um rio subterrâneo.
Para que
terras vai e donde vem?
Não sei...
Na noite em que o meu ser o tem
Emerge dele
um ruído subitâneo
De origens
no Mistério extraviadas
De eu
compreendê-las..., misteriosas fontes
Habitando a
distância de ermos montes
Onde os
momentos são a Deus chegados...
De vez em
quando luze em minha mágoa
Como um
farol num mar desconhecido
Um movimento
de correr, perdido
Em mim, um
pálido soluço de água...
E eu
relembro de tempos mais antigos
Que a minha
consciência da ilusão
Águas
divinas percorrendo o chão
De verdores
uníssonos e amigos,
E a ideia de
uma Pátria anterior
À forma
consciente do meu ser
Dói me no
que desejo, e vem bater
Como uma
onda de encontro à minha dor.
Escuto o...
Ao longe, no meu vago taco
Da minha
alma, perdido som incerto,
Como um
eterno rio indescoberto,
Mais que a
ideia de rio certo e abstrato...
E p'ra onde
é que ele vai, que se extravia
Do meu ouvi
lo? A que cavernas desce?
Em que frios
de Assombro é que arrefece?
De que
névoas soturnas se anuvia?
Não sei...
Eu perco o... E outra vez regressa
A luz e a
cor do mundo claro e atual,
E na
interior distância do meu Real
Como se a
alma acabasse, o rio cessa...
Cumpre-me agora dizer que espécie de homem sou.
Cumpre-me agora dizer
que espécie de homem sou.
Não importa o meu nome,
nem quaisquer outros pormenores externos que me digam respeito. É acerca do meu
carácter que se impõe dizer algo.
Toda a constituição do
meu espírito é de hesitação e dúvida. Para mim, nada é nem pode ser positivo;
todas as coisas oscilam em torno de mim, e eu com elas, incerto para mim
próprio. Tudo para mim é incoerência e mutação. Tudo é mistério, e tudo é
prenhe de significado. Todas as coisas são «desconhecidas», símbolos do Desconhecido.
O resultado é horror, mistério, um medo por demais inteligente.
Pelas minhas tendências
naturais, pelas circunstâncias que rodearam o alvor da minha vida, pela
influência dos estudos feitos sob o seu impulso (estas mesmas tendências) — por
tudo isto o meu carácter é do género interior, autocêntrico, mudo, não autossuficiente,
mas perdido em si próprio. Toda a minha vida tem sido de passividade e sonho.
Todo o meu carácter consiste no ódio, no horror da e na incapacidade que
impregna tudo aquilo que sou, física e mentalmente, para atos decisivos, para
pensamentos definidos. Jamais tive uma decisão nascida do autodomínio, jamais
traí externamente uma vontade consciente. Os meus escritos, todos eles ficaram
por acabar; sempre se interpunham novos pensamentos, extraordinárias,
inexpulsáveis associações de ideias cujo termo era o infinito. Não posso evitar
o ódio que os meus pensamentos têm a acabar seja o que for; uma coisa simples
suscita dez mil pensamentos, e destes dez mil pensamentos brotam dez mil
interassociações, e não tenho força de vontade para os eliminar ou deter, nem
para os reunir num só pensamento central em que se percam os pormenores sem
importância, mas a eles associados. Perpassam dentro de mim; não são
pensamentos meus, mas sim pensamentos que passam através de mim. Não pondero,
sonho; não estou inspirado, deliro. Sei pintar, mas nunca pintei, sei compor
música, mas nunca compus. Estranhas conceções em três artes, belos voos de
imaginação acariciam-me o cérebro; mas deixo-os ali dormitar até que morrem,
pois falta-me poder para lhes dar corpo, para os converter em coisas do mundo
externo.
O meu carácter é
tal que detesto o começo e o fim das coisas, pois são pontos definidos.
Aflige-me a ideia de se encontrar uma solução para os mais altos, mais nobres,
problemas da ciência, da filosofia; a ideia de que algo possa ser determinado
por Deus ou pelo mundo enche-me de horror. Que as coisas mais momentosas se
concretizem, que um dia os homens venham todos a ser felizes, que se encontre
uma solução para os males da sociedade, mesmo na sua conceção — enfurece-me. E,
contudo, não sou mau nem cruel; sou louco, e isso duma forma difícil de
conceber.
Embora tenha sido leitor voraz e ardente, não me lembro de qualquer livro
que haja lido, em tal grau eram as minhas leituras estados do meu próprio
espírito, sonhos meus — mais, provocações de sonhos. A minha própria recordação
de acontecimentos, de coisas externas, é vaga, mais do que incoerente.
Estremeço ao pensar quão pouco resta no meu espírito do que foi a minha vida
passada. Eu, um homem convicto de que hoje é um sonho, sou menos do que uma
coisa de hoje.
Self portrait by Kamil Swiatek
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