Ode à Paz
Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,
Pela branda melodia do rumor dos regatos,
Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,
deixa passar a Vida!
Natália Correia, in "Inéditos (1985/1990)"
BREVE
BIOGRAFIA DE NATÁLIA CORREIA
Natália de Oliveira Correia (1923-1993), açoriana,
foi activa interventora
da vida política e sociocultural do seu tempo. Poeta, dramaturga, ficcionista,
ensaísta, tradutora, autora de libretos de ópera, foi também colaboradora de vários
títulos da imprensa periódica como, por exemplo, o Diário de Notícias e A
Capital e assumiu cargos directivos em O Século Hoje e na Vida Mundial. Foi
directora literária na Editorial Estúdios Côr (1971) e na Editora Arcádia
(1973), argumentista do telefilme Santo Antero e de programas culturais
transmitidos pela RTP e emprestou a sua voz para a gravação de textos
literários produzidos pela Editora Discográfica Sassetti. Integrou a equipa da
Secretaria de Estado da Cultura, em 1977, como consultora cultural, a convite
de David Mourão-Ferreira e, em 1980, é eleita deputada à Assembleia da
República.
Deputada à Assembleia da República (1980-1991)
interveio politicamente ao nível da cultura e do património, na defesa dos
direitos humanos e dos direitos das mulheres. Autora da letra do Hino dos
Açores. Juntamente com José Saramago (Prémio Nobel de Literatura, 1998),
Armindo Magalhães, Manuel da Fonseca e Urbano Tavares Rodrigues foi, em 1992,
um dos fundadores da Frente Nacional para a Defesa da Cultura (FNDC). Tem uma
biblioteca com o seu nome em Lisboa em Carnide.
A obra de Natália Correia estende-se por géneros
variados, desde a poesia ao romance, teatro e ensaio. Colaborou com frequência
em diversas publicações portuguesas e estrangeiras. Durante as décadas de 1950
e 1960, na sua casa reunia-se uma das mais vibrantes tertúlias de Lisboa, onde
compareciam as mais destacadas figuras das artes, das letras e da política
(oposicionista) portuguesas e também internacionais. A partir de 1971, essas
reuniões passaram a ter lugar no bar Botequim. Ficou conhecida pela sua
personalidade livre de convenções sociais, vigorosa e polémica, que se reflecte
na sua escrita. A sua obra está traduzida em várias línguas.
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